
DIVERSIDADE
&PODER

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TRABALHANDO POR UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA
Giulia Ferreira
A cultura organizacional tende a replicar preconceitos que estão presentes na sociedade, como o racismo, o machismo, a homofobia, o capacitismo, o etarismo, entre outros. Isso acontece porque o ambiente de trabalho também é um ambiente social. Nos últimos anos é possível observar que a diversidade e práticas relacionadas às ações de ESG (governança ambiental, social e corporativa) vem ganhando destaque no mercado de trabalho. Isso porque as empresas perceberam que para manter a competitividade, precisam atrair e reter talentos de diversas idades, gêneros, culturas e habilidades. É essa mistura que oferece às companhias diferentes pontos de vista para solucionar problemas e encontrar oportunidades de inovação em qualquer área.
Ainda assim, mesmo com os avanços notados nos últimos anos, a adoção dessa postura inclusiva ainda não está sendo colocada em prática em todos os lugares. Segundo o relatório Tendências de Gestão de Pessoas 2022, feito pela consultoria global GPTW (Great Place to Work), em 2019, 24% dos entrevistados afirmaram que as empresas tinham diversidade e inclusão como um aspecto prioritário a ser trabalhado. Em 2020, esse número subiu para 32%, e, em 2021, para 37%. Em 2022, a prioridade caiu para 17,9%.

Para a cientista política Denilde Holzhacker, 49 anos, coordenadora do curso de Relações Públicas da ESPM, quando falamos de inclusão e diversidade em empresas é necessário definir a qual público estamos nos dirigindo, pois cada grupo tem suas dificuldades e necessidades diferentes. “Quando a gente fala de PCDs, temos uma lei que já é bastante antiga de inclusão, você já tem um processo institucional bem forte de discussão de inclusão, mesmo que lento". Quando falamos de questões raciais ou de gênero, entramos em um cenário mais complexo. "No racial, a gente não tem formalizado nenhum tipo de lei que trate de cotas no mercado de trabalho e a mesma coisa para as mulheres, que nesse caso, não existe nenhum tipo de mecanismo institucional para diminuir as desigualdades", diz.
Embora a participação de diversos gêneros no mercado de trabalho e a existência de várias normas jurídicas voltadas para o combate à sua discriminação, diariamente são encontrados obstáculos para garantir a igualdade de gênero no ambiente corporativo. Apesar das significativas mudanças na legislação, a quantidade de homens ainda é maior do que os demais gêneros, seja pela falta de regulamentação de normas trabalhistas ou pela ausência de fiscalização no cumprimento dessas leis.
Por mero preconceito, sem nenhuma fundamentação lógica, muitas pessoas acham que o gênero torna uma pessoa incapacitada para determinadas atividades profissionais, novamente um reflexo da sociedade que acredita que, especificamente a mulher, serve apenas para ficar em casa, cuidando de seus filhos e seu marido, enquanto o homem é quem deve sair e trazer o sustento da família. De acordo com o relatório Global Gender Gap Report 2020, no Brasil, 42% dos trabalhadores são mulheres, enquanto 58% são homens. Ainda assim, mesmo com uma participação significativa no mercado de trabalho, segundo um estudo da Bain & Company, apenas 3% dos líderes empresariais brasileiros são mulheres.
“Tem uma estrutura patriarcal que entende que uma mulher tem menos necessidade porque ela vai se casar, vai ter filhos; você coloca uma série de barreiras para que ela não esteja no mesmo pé de igualdade em uma avaliação frente a um homem", diz Denilde. Para a professora da ESPM, isso é chamado de viés inconsciente, quando as pessoas não percebem que estão assumindo uma visão predominante na sociedade.
MACHISMO CORPORATIVO E ESTRUTURAL
A desvalorização da mulher no mercado de trabalho acontece mesmo quando se trata de um cargo equivalente ao de um homem. Um estudo feito pela FGV, com base em dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado em março de 2022, mostra que as mulheres recebem em média 19% menos que os homens para exercer a mesma função.
O mesmo acontece com pessoas negras ou pardas. O estudo mostra que, além de serem maioria na população, as pessoas negras também são a maioria no mercado de trabalho brasileiro, correspondendo a cerca de 57,7 milhões de pessoas, enquanto o número de pessoas brancas é de 46,1 milhões.
Segundo levantamento feito pelo portal de empregos Vagas.com em 2020, a maioria dos pretos e pardos ocupam posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%), percentuais superiores quando comparamos a quantidade de pessoas brancas, indígenas e amarelas. Já uma minoria entre os negros relata ocupar cargos de diretoria, supervisão/coordenação e de senioridade, de alta e média gestão: apenas 0,7% têm cargos de diretoria, enquanto entre brancos, indígenas e amarelos, essa proporção é de 2%.
Para Tanielle Abreu, pesquisadora sobre Diversidade e Inclusão e doutoranda na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, o racismo é o principal dos fatores causadores dessas diferenças “O racismo, com todas as suas nuances, é o que leva a população negra a ficar restrita a posições menos prestigiadas no mercado de trabalho ou nas empresas, como também afasta essa população do mercado de trabalho formal”.
Para ela, esse padrão tem raízes que veem desde a época da escravidão no Brasil e que é reforçado pelo capitalismo. “Qualquer pesquisa mostra essa mesma hierarquia que reproduz um padrão escravocrata no país: homens brancos comandando e tomando as decisões." Na opinião da especialista, isso acontece porque o capitalismo tem uma natureza muito forte de ampliar a massa de capital, e para se manter dessa forma, ele sempre utiliza diversas ideologias, e o racismo é uma ideologia que o faz sobreviver de forma mais forte.
Ao tratarmos da população LGBTQIAP+, uma pesquisa realizada pelo Coqual, um instituto norte-americano que promove a diversidade, equidade e inclusão no mercado de trabalho, mostra que 61% dos funcionários gays e lésbicas preferem esconder sua orientação sexual no ambiente de trabalho em razão do medo de perderem o emprego. A pesquisa ainda mostrou outros dados preocupantes: 33% das empresas do Brasil não contratariam pessoas LGBTQIAP+ para cargos de chefia.
Eros Sester, cientista social doutorando em antropologia social com área de concentração em sexualidade pela Universidade de São Paulo, diz que o preconceito varia de acordo com o cenário em que se atua, principalmente ao considerar organizações maiores e mais tradicionais. "O desafio maior são as minorias em cargos de liderança e sobretudo o desafio da inclusão real, e isso significa a contratação e distribuição em cargos de liderança, sobretudo para a população trans e preta”.
A advogada Heloísa Alves, de 53 anos, é Presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero da OAB São Paulo. Ela ressalta a importância de se posicionar, mesmo em tempos de reacionarismo, em busca de dignidade e da liberdade de ser você mesmo. “Eu posto nas redes sociais quando é Dia da Visibilidade Lésbica, quando é aniversário da minha mulher. É um ato político. Quando saio com meus sogros eu também compartilho uma foto de nós quatro. É para mostrar que nós somos família, como qualquer outra.”
ORGANIZAÇÕES LIMITADAS
Pessoas com deficiência (PCDs) ainda são vistas por sua deficiência e não por sua potencialidade. A pesquisa realizada em 2019 pela Santo Caos em parceria com a empresa de recrutamento Catho, mostra que menos de 10% dos profissionais com algum tipo de deficiência ocupam postos de liderança. Desse grupo, 5% atuam como coordenadores, 4% em gerência, 0,4% na diretoria e 0,2% em vice-presidência ou presidência.
Ou seja, mesmo que essas pessoas estejam empregadas, não é garantido que serão bem recebidas, bem acolhidas, que terão suas necessidades supridas naquele ambiente ou que terão sucesso e poderão alcançar cargos de destaque, e se o fazem nem sempre é da forma como se espera. “As empresas cumprem uma cota, mas se essas pessoas estiverem trabalhando em uma área isolada sem contato com ninguém, você não está fazendo inclusão nenhuma”, aponta Denilde.
Além desses grupos e cenários ainda existem outros como o de pessoas idosas, que acabam tendo problemas para reingressar no mercado de trabalho, são demitidos ou não possuem mais planos de carreira, além daqueles que são excluídos de determinadas áreas do mercado por causa da sua cultura ou região em que nasceram.
Eros Sester, acredita que quando se trata de contratação, não só de pessoas LGBT, mas de pessoas de grupos diversos, há um certo receio por parte dos empregadores. “Tem gente capacitada no mercado para ocupar qualquer tipo de cargo, a questão é que há uma indisposição e preconceito para a contratação”.
Para Denilde, vagas especificas para mulheres, negros, PCDs entre outros, são importantes para que possa haver mais diversidade nas empresas. “Elas são importantes para corrigir esses processos de desigualdade, elas não corrigem todas as questões, mas de certa forma colocam o olhar para que essas questões sejam discutidas”. E completa: “Em uma sociedade desigual como a nossa, é injusto pensar que só a vontade individual supera esse processo histórico de desigualdade e discriminação”.
"GOSTO DE POLÍTICA DESDE CRIANÇA. É MEU GUILTY PLEASURE"
Luiz Fernando Amorim

Imagem: Divulgação / Instagram
Guilherme Cortez, 24, foi o 94º candidato eleito a deputado estadual para a Assembleia Legislativa de São Paulo, com 45.094 votos. Ele é advogado, formado na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Franca, onde vive e trabalha como professor de cursinho preparatório, além de atuar na militância de esquerda.
Cortez ganhou destaque nas redes sociais ao enfrentar o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, após se cruzarem nas ruas de Franca. A briga foi filmada e compartilhada na internet. Depois do episódio, Salles se pronunciou no Twitter, prometendo "tolerância zero" com "quaisquer outros vagabundos que venham encher o nosso saco". Ele apagou a postagem dias depois, mas entregou o elemento que faltava para que Cortez viralizasse nas redes.
Apesar da pouca idade e com feições que o fazem parecer mais jovem, sempre usando grandes óculos e camisas coloridas, Cortez tem um discurso pragmático e coerente em defesa dos servidores públicos, direitos LGBTQIA+, meio ambiente e educação. Sua militância começou no ensino médio, em 2013, onde participou do movimento estudantil. Filiado ao PSOL, se candidatou para vereador nas eleições de 2020 e foi o 4º mais votado da cidade, mas sem conquistar uma cadeira na Câmara Municipal de Franca devido ao quociente eleitoral. Saiba mais sobre esse sagitariano que gosta de cachorros!
DIVERSIDADE&PODER - Você é conhecido por sua militância na área ambiental e em defesa das minorias. Em que momento da vida surgiu essa inspiração por política?
GUILHERME CORTEZ - Desde que eu era criança eu gosto muito de política, especialmente política eleitoral, era um gosto peculiar, um guilty pleasure. Eu era criança mas já gostava de ver horário eleitoral, acompanhar aquela plástica toda. Eu fazia brincadeiras com os meus bonequinhos, fingindo que eram candidatos, então sempre foi um universo que eu achava interessante. E quando eu fui para o ensino médio estudei em uma escola muito mobilizada politicamente e lá eu descobri que a política era muito mais do que só aquela política eleitoral. É também a política dos movimentos, das reivindicações. Em julho de 2013, com o movimento estudantil, tive essa dimensão mais ampla.
D&P - Você mora em uma cidade do interior de São Paulo e venceu as eleições pra deputado estadual. Quais foram os desafios pra sua campanha ampliar a imagem de um político local e fazer a sua voz chegar em outras cidades?
GC - Franca é uma cidade muito conservadora. E antes de mim nunca tinha eleito um deputado de esquerda, muito nessa onda de antipetismo. A cidade votava no mesmo deputado estadual há 32 anos. A gente falava muito da necessidade de renovação e ao mesmo tempo as nossas pautas nunca foram restritas a essa região, mas são pautas que dialogam com os problemas do Estado inteiro, porque a crise ambiental que a gente vive, o sucateamento dos serviços públicos, a LGBTfobia e a intolerância que a gente vive, os crimes de ódio. E de uma forma mais prática eu diria que foram as redes sociais. A gente teve uma limitada campanha de rua em materiais, com pouco recurso, dinheiro e apoio. Sem nenhuma campanha de rua em São Paulo, a candidatura teve 12 mil votos na cidade de São Paulo, foi um resultado muito impressionante.
D&P - Qual a sua expectativa de trabalho em relação aos projetos que pretende apresentar ou apoiar na ALESP? Acha que terá apoio dos colegas da casa?
GC - Hoje enfrentamos uma extrema direita organizada, com bancadas fortes, peso social. Mas pelo que eu dei uma olhada no cenário, é uma legislatura menos reacionária do que a passada. Boa parte das figuras mais polêmicas, como Douglas Garcia (Republicanos), que é aquele que atacou a Vera Magalhães, não se reelegeu para deputado, mas ainda existe uma bancada bolsonarista e uma grande bancada da direita tradicional, que no interior eu conheço bem, são figuras da direita locais, que não são muito aceitas em um debate mais ideológico, mas que são bases de sustentação dos governos. Por outro lado, a gente tem uma das maiores bancadas de esquerda da história, que é mais de um quarto da ALESP. A bancada do PSOL aumentou, a bancada do PT aumentou e levou muita gente junto.
D&P - A ALESP é uma casa conhecida por ter baixa cobertura da mídia. Porque você acha que isso acontece?
GC - Eu acho que o PSDB, que pela primeira vez em praticamente 30 anos não vai mais estar no governo do estado, criou um esquema muito fechado ali. A Assembleia Legislativa, nesses últimos anos, foi uma fachada, um puxadinho do Palácio dos Bandeirantes. Tem uma limitação para propor CPIs, que praticamente não funcionam, vários combinados e amarrações que dificultam você ter um debate mais profundo. E isso tudo afasta um pouco a cobertura e o interesse das pessoas. Mas nesses últimos quatro anos a ALESP se tornou notícia, mas não por coisa boa. Em termos de mudanças de legislação, ela aprovou leis muito severas contra os servidores na reforma da previdência. Então eu acho que nesses últimos anos a ALESP até teve mais visibilidade por conta desses episódios lamentáveis.
D&P - Você é um dos representantes de um novo formato de política - é jovem, faz parte de uma minoria, eleito em seu primeiro mandato sem grandes padrinhos políticos ou patrocinadores. Como é possível incentivar para que novos nomes surjam na política de modo semelhante?
GC - Quem acessa a prestação de contas, que é pública, vai ver que a gente fez uma campanha absolutamente modesta. São mecanismos muito importantes para buscar equilibrar as desigualdades que a gente tem na nossa política, a obrigatoriedade de um terço de candidaturas femininas, essa mesma proporção em recursos para essas candidaturas, a equivalência entre candidaturas de pessoas negras. Mas eu acho que tem que avançar muito mais do que isso. É apostar em novas lideranças, o futuro da esquerda passa pela renovação e pela mudança dos seus quadros, pela aposta em novos perfis, em ativismos diferentes, em lutas diversas. Eu acho que uma parte da direita também entendeu isso e talvez tenha entendido isso antes da própria esquerda.
DIVERSIDADE NO MERCADO DE TRABALHO
O tema diversidade vem ganhando espaço nos ambientes corporativos e na esfera pública. Pensar em políticas de inclusão no mercado de trabalho se tornou uma necessidade, enquanto as empresas buscam cumprir uma série de exigências se desejam ser uma companhia alinhada com os conceitos de ESG, que são os pilares para trazer responsabilidade ambiental, social e de governança para uma organização.
Nesta série de reportagens feita em parceria com a Rádio CBN, entrevistamos profissionais como Emilio Moreno, explicando as políticas de inclusão da população negra; Daniele Avelino, que fala sobre as dificuldades que o público PCD tem para entrar no mercado de trabalho; a doutora em Economia pela Escola de Economia de São Paulo – FGV, Gabriela Fonseca, que aborda a importância e os desafios de trabalhar em setores majoritariamente masculinos; e as questões de inclusão de pessoas trans em empregos formais: “Nossa ideia é acompanhar essas pessoas no mercado de trabalho, não só oferecer curso”, diz Samara Santos, psicóloga na Casa Neon Cunha.
Convidamos a todos e todas - desde aqueles que buscam entrar no mercado de trabalho até os veteranos em cargos de gestão de pessoas - a escutar nossas reportagens e refletir sobre um mundo corporativo mais inclusivo e compatível com a sociedade.
Mulheres em cargos majoritariamente masculinos
Carolina Helena e Sthefany Gomes
Políticas de inclusão para LGBTQIAP+ no mercado de trabalho
Luiz Fernando Amorim
Pessoas negras em cargos de liderança
Giulia Ferreira
Vagas e acessibilidade para PCDs
Sofia Vizer

Imagem: Divulgação / Monica Seixas
A LUTA RADICAL PELA NORMALIDADE
Carolina Helena e Luiz Fernando Amorim
20 de outubro de 2022. O segundo turno das eleições presidenciais se aproxima, e os filiados do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em São Paulo retornam para a sede do partido após uma tarde inteira de panfletagem. A campanha é feita nas ruas, onde os recursos são poucos mas o sentimento de urgência é abundante. A ameaça de um segundo governo Bolsonaro assombra a esquerda, e todo esforço para trazer votos à terceira candidatura de Lula, do aliado Partido dos Trabalhadores, é valioso.
Retornando à sede do PSOL, em São Caetano do Sul, jovens militantes e veteranos eleitos se reúnem para uma última conversa no dia, debatendo sobre os resultados da panfletagem e alinhando as próximas estratégias. Na reunião, uma voz feminina e jovial se destaca, demonstrando experiente desenvoltura. Mônica Cristina Seixas Bonfim, também conhecida como Mônica Seixas, faz uma fala de esperança e mantém acesa a chama dos militantes políticos.
A conversa com Mônica começa após seu discurso. Reeleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo, a deputada estadual tem uma extensa agenda e está sempre rodeada de assessores e parceiros do partido. Mesmo com a postura de representante política, ela demonstra atenção e cortesia para aqueles que conseguem acesso a ela.
A seriedade implicada no cargo se dissolve no momento em que fala sobre a sua infância. Mônica cresceu na cidade de Itaquaquecetuba, vizinha de Mogi das Cruzes, local onde nasceu, em uma situação de muita pobreza e miséria. Sua mãe, Maria Seixas, veio de Minas Gerais fugindo de uma situação de violência doméstica, com muita coragem e quatro filhos embaixo do braço.
Ao relembrar a infância e as dificuldades que a família passou, Mônica demonstra uma melancolia inesperada por aqueles que não são íntimos, mas compreensível devido ao racismo estrutural. “Quando você é uma criança negra e miserável, não sabe que é um sujeito. O racismo forma e organiza o psicológico das pessoas negras para que elas aceitem a forma que outras pessoas te tratam. Quando você é uma criança negra e miserável, sabe que as pessoas não querem nem lhe ver”.
Quando completou dez anos de idade, sua mãe decidiu se casar novamente e a família foi morar em Itu, no interior de São Paulo. Um novo ambiente, com novas oportunidades, em busca de melhores condições de vida. A escola central da cidade, que comportava todos os estudantes rurais, deu à Mônica a chance de um estudo de melhor qualidade em um local que tinha até mesmo um grêmio estudantil. Mônica assistiu à montagem das candidaturas do grêmio e acredita que ali foi plantada a semente que fez florescer sua militância.
O poder da luta estudantil trouxe para aquela criança periférica um novo horizonte de possibilidades: ver jovens de 12 e 13 anos querendo opinar sobre a merenda, a cor do uniforme, deixou a garota intrigada. “O que faz esses jovens acharem que podem discutir com um adulto, dizendo o que querem?” Ela ingressou no grêmio e aprendeu a reivindicar pelas vontades dela e dos colegas.
A família, evangélica e conservadora, lutou para que ela tivesse oportunidades e pudesse estudar e melhorar de vida. Quando terminou o ensino fundamental, seus irmãos, que trabalham desde muito pequenos, se organizaram para convencer a mãe a não obrigar Mônica a trabalhar. Com isso, ela foi a primeira da família a concluir o ensino médio. Teve que buscar uma fonte de renda para ajudar a família aos 14 anos, mas apenas em meio período, para não prejudicar os estudos.
Quando adolescente, Mônica conseguiu ingressar em uma faculdade regional particular. Em 2006 sua mãe assistiu na televisão o comercial do Prouni e incentivou a filha a participar. “Naquele ano você não podia escolher o curso, mas era possível indicar aqueles que eram do seu interesse caso aparecesse alguma vaga. Coloquei Letras, História, mas fui chamada para Jornalismo. Eu sou da primeira turma do Prouni. Agarrei essa oportunidade com unhas e dentes e fui estudar”. Mônica se orgulha de ter feito parte da geração dos programas do PT de relevância social. “O Lula se elegeu quando eu tinha 16 anos. Eu fiz parte de suas políticas de assistência social”.
Durante a faculdade, Mônica tentou manter o seu lado militante adormecido, com receio de sofrer represálias por seu posicionamento político. Hoje ela tem consciência de que esse posicionamento é errado, mas um erro imposto pelas condições do momento: “Esconder minha posição política e partidária era necessário para conseguir um estágio, um emprego. Era a hora de fazer valer a bolsa. Mas acho que isso é uma pegadinha do neoliberalismo, achar que a ascensão individual é o suficiente. É o contrário da luta que eu faço agora. Compreendi que a ascensão, principalmente do povo negro, é uma luta e uma vitória coletiva”.
Conseguiu um emprego na redação do jornal local de Itu, mas seguiu acompanhando a militância e a defesa das minorias. Em 2013, ao fazer parte da organização das manifestações de rua, foi demitida do jornal por se posicionar contra as desigualdades sociais da sua cidade. Após o choque da demissão, surgiu a oportunidade de mergulhar de cabeça nos movimentos sociais e consolidar cada vez mais sua luta.
Nesse mesmo ano, Mônica se tornou líder dos protestos contra os cortes do abastecimento de água em Itu, que do final de 2013 até a metade de 2015 sofreu com a falta d’água. Essa liderança a fez ficar conhecida entre outras militantes da época que também se organizavam em suas lutas. Toda essa movimentação culminou no encontro com Sâmia Bomfim, militante feminista do PSOL que na época estava lutando pela permanência da pílula do dia seguinte, com atuação maior na capital. “Samia é grande dirigente, muito ousada. Conhece o estado e os filiados como ninguém. Atrevida e corajosa”.
Em 2016 Sâmia se elegeu vereadora da cidade de São Paulo e levou Mônica para trabalhar em seu mandato como assessora de imprensa. Vendo de perto o funcionamento da política institucional, foi incentivada pelas colegas do partido a se candidatar à chapa de deputada estadual junto com outras pessoas do movimento, construindo pela primeira vez na história do Legislativo paulista uma candidatura coletiva. Em 2018, batizada de ‘Mônica do Mandato Ativista’, venceu com 149.844 votos.
Apesar da votação expressiva, o mandato passou por divergências internas e não seguiu para reeleição no mesmo formato. Hoje Mônica se diz arrependida de ter aceito representar o coletivo, construído com a ideia de enfrentar o conservadorismo mas, de acordo com ela, sem um comprometimento coletivo de mudança institucional. “Faço uma autocrítica: não é possível fazer uma frente amplíssima sem acordos políticos muito bem traçados. Foi na inocência”, lamenta. Hoje, Mônica representa outro mandato e encabeça o Das Pretas, um coletivo de sete mulheres que foi eleito nas eleições de outubro de 2022 com 106.781 votos.
No momento do bate-papo, que seguia em tom de seriedade, uma assessora interrompeu a conversa e lembrou Mônica sobre a necessidade de ir a outro compromisso. Propomos a continuação do depoimento em trânsito, no carro mesmo, e ela topou.
A mudança de ambiente - de uma sala cheia de pessoas para o pequeno Citröen de seu marido - incentivou também a troca do assunto para algo mais pessoal. Ela falou de Theo, seu filho de 9 anos de idade: “Ele é maravilhoso. Tenho muito orgulho”. Apesar do grande amor, ela não romantiza a realidade da maternidade, que é bastante difícil, principalmente para mães solo, pauta que a deputada defende com unhas e dentes em seu mandato.
Mônica deixa transparecer sua indignação com a relação que a sociedade tem com mulheres e suas crianças. Quando se lembra da receptividade das pessoas ao redor com sua gravidez, ela expõe um ponto de vista muito forte. “Nada é tão violento quanto você deixar de ser um sujeito em torno de um fetiche das pessoas sobre o futuro de alguém. A sociedade não gosta de criança, tanto quanto não gosta de mulher”.
Mesmo dentro do partido, a necessidade de tempo para cuidar de si e do filho era pouco compreendida. Confidencia que já foi questionada quando pedia folga e que isso a deixou bastante indignada. “Pelo menos uma vez por semana eu preciso organizar os uniformes das crianças, olhar os cadernos, ver como está o dever de casa, olhar nos olhinhos deles, dar um abraço. Eu sou mãe”, conta, com um riso que revela quase sem querer um pesar.
Perguntamos quem a inspira, e seu semblante mudou para uma expressão de admiração. Diz, sem pestanejar, os nomes do guerrilheiro comunista Carlos Marighella, a guerreira Dandara dos Palmares, a líder quilombola Tereza de Benguela, a filósofa Angela Davis, a militante e escritora Lelia Gonzalez e a cantora Nina Simone, sem esquecer das companheiras de partido Sâmia Bonfim e Luciana Genro.
Mas, quando perguntada se pode um dia inspirar alguém, Mônica emudeceu por alguns segundos e se mostrou pensativa e emocionada. Não esperava a pergunta. Mas responde: “Gostaria de terminar esse meu período na política sem ser extraordinária. Aqueles que me inspiram são por conta da superação, foram pessoas extraordinárias e únicas. Eu quero ser normal, mediana. Porque isso significa que estará popularizado e dado o fato de mulheres negras não encerrarem sua vida na miséria e marginalização. Quero ser uma entre muitas”.
MULHERES ELEITAS PELO VOTO NO BRASIL
Clique nas fotos e conheça as primeiras mulheres eleitas pelo voto direto no Brasil. Para saber mais da história do voto feminino, assista o nosso documentário, disponível no player abaixo.
Luiz Fernando Amorim e Carolina Helena
A participação feminina na história da política brasileira é relativamente recente. Em 1932, depois da luta do movimento sufragista brasileiro, o governo Getúlio Vargas passou a considerar o voto das mulheres, até então possível apenas para aquelas que possuíam renda própria, situação rara no período. Apesar de passados 90 anos, foram poucos os avanços em igualdade de gênero na política nacional, área dominada por homens, em sua maioria brancos.
De Alzira Soriano, eleita prefeita na cidade de Lajes (RN) em 1929 a Dilma Rousseff, a primeira mulher presidente no Brasil em 2010, a militância feminina por reconhecimento de direitos políticos representa uma parte da história da democracia brasileira que muitas vezes é esquecida.
Neste documentário, Bruna Biondi, Paula Aviles e Fernanda Gomes fazem um paralelo com a história da luta feminina pelo direito de votar e eleger outras mulheres no Brasil, espelhado na candidatura do Coletivo Mulheres por + Direitos, de São Caetano do Sul, eleito nas eleições regionais de 2019.
MULHERES: 90 ANOS NA POLÍTICA BRASILEIRA
Carolina Helena e Sthefany Gomes
CARGOS LIGADOS A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA NÃO REPRESENTAM A POPULAÇÃO BRASILEIRA
Giulia Ferreira e Luiz Fernando Amorim
O Presidente da República é a autoridade máxima do Executivo de um Estado soberano cujo estatuto é uma república. Tal como os chefes de estado das monarquias, o presidente da república representa o Estado, ou seja, o povo. Mas ao analisar as informações fornecidas pelo Governo Federal, é possível perceber que a distribuição dos cargos de órgãos públicos ligados à presidência não são compatíveis com a população brasileira.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% dos brasileiros são pessoas pretas e pardas. As mulheres representam 51,8% da população, contra 48,2% de homens.
Ao analisarmos as informações disponibilizadas no sistema SIAPE (Sistema Integrado de Administração de Pessoal), observamos a distribuição dos servidores dos órgãos da Presidência da República em termos de faixa etária, gênero, etnia e pessoas com deficiência. As informações são de setembro de 2022.
Os dados mostram que dos 3298 servidores, apenas 943 são mulheres, cerca de 29%. Quando olhamos para órgãos específicos, a situação continua a mesma, com pequenas exceções como no caso da Assessoria Especial da Presidência da República (AESPR) e Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e Secretaria do Governo (SEGOV) que possuem mais mulheres do que homens.

No caso da raça ou etnia, do número total de servidores, a maioria deles são brancos (1631) e pardos (1352), representando 90,44% dos servidores. Os pretos vem logo em seguida, mas a diferença numérica é gritante, 220 servidores, apenas 6,69%. Os demais grupos étnicos (amarelos e indígenas) são minoria, não chegando nem mesmo a alcançar a marca de 50 servidores, apenas 1,36% do total. 50 pessoas (1,52%) optaram por não informar sua raça/etnia.

Ao buscarmos dados sobre PCDs nos órgãos da Presidência da República, encontramos apenas 20 pessoas que possuem algum tipo de deficiência e trabalham para os órgãos da Presidência da República, apenas 0,61%. Dados divulgados pelo IBGE mostram que 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, cerca de 24% da população do país.

Na análise da idade desses servidores encontramos uma diversidade um pouco maior. Pessoas de 41 a 50 anos são a maioria, cerca de 1001 pessoas (30,35%) Logo em seguida temos pessoas com 51 a 60 anos (740, 22,44%), 31 a 40 anos (676, 20,50%) e até 30 anos (600, 18,19% dos servidores). Porém, após completarem 60 anos há uma queda brusca no número, que cai para 281 servidores, cerca de 8,6%. A planilha não traz informações sobre a sexualidade dos servidores dos órgãos da Presidência da República.

Todos os dados sobre o perfil dos servidores da Presidência da República foram coletados e analisados no Portal Brasileiro de Dados Abertos. O portal tem o objetivo de disponibilizar dados relativos às mais variadas temáticas da administração pública de modo que todo e qualquer cidadão possa buscar e usar os dados publicados pelos órgãos do governo.
DIVERSIDADE EM ÓRGÃOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, O QUE VOCÊ SABE SOBRE?
Giulia Ferreira
Já falamos sobre diversidade nos órgãos ligados à Presidência da República através das informações apresentadas na reportagem sobre o perfil dos servidores dos órgãos da Presidência da República, mas será que você aprendeu? Vamos testar o seu conhecimento sobre o assunto! Faça o quiz abaixo e veja quão inteirado você está!

PRECONCEITO NA PONTA DA LÍNGUA
Giulia Ferreira, Sara Jané e Sofia Vizer
O preconceito linguístico é um tipo de discriminação baseado no modo de expressão verbal de um indivíduo - as vezes na escrita, mas na maioria dos casos na vocalização. Algumas pessoas são julgadas por seu sotaque, nas expressões regionais ou no vocabulário usado.
Segundo Leny Kyrillos, fonoaudióloga e doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela Unifesp, o preconceito linguístico “é o tratamento negativo que é dado para algumas pessoas quando elas, por meio da fala, demonstram seu local de origem”. Segundo a especialista, esse “é um preconceito nebuloso, não muito claro”. Ainda assim, é um preconceito que pode afetar e muito a vida de pessoas comuns, mas principalmente de profissionais que utilizam a voz como principal ferramenta de trabalho.
Esse tipo de discriminação afeta a vida de homens e mulheres no ambiente profissional. Esse foi o caso da Samara Santana, locutora e apresentadora de rádio cearense, Nicole Cordery, atriz e locutora carioca, da Hortência Costa, assessora de imprensa baiana e muitos outros.
No podcast “Preconceito na ponta da Língua” conversamos com especialistas e pessoas que já sofreram com essa discriminação, além de falar sobre casos que vieram a público nos últimos anos, suas principais causas e os danos causados.
EQUIPE
Estudantes do 6º semestre do curso presencial de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo
















